terça-feira, março 06, 2012

o banho turco

* enfim tempo, disposição e sanidade para escrever o primeiro post das férias. e tinha que ser uma auto-esculhambação, claro. só assim esse blog vai pra frente.

o "seo" cícero era o dono da cantina da record. e hoje ele me deu um banho turco. quem passou por uma situação vexatória como essa jamais esquecerá. se eu viver noventa anos, esse foi o primeiro dia de uma longa vida em que a vergonha própria prevalecerá.

você chega e se despe. é convidado a entrar por uma portinhola de vai-e-vem. passa o primeiro senhor com a toalhinha amarrada na cintura. quero rir. só se for de mim mesmo, o idiota. depois passa um alemão. com a toalinha igual à sua. há uma segunda portinhola. ninguém sorri. aparece, enfim, o "seo" cícero. só que com um bigode turco.

quem conhece o "seo" cícero sabe do que estou falando. quem não conhece, vai ficar sem conhecer. a narrativa que segue já será suficientemente constrangedora.

eu não vou a saunas. sou claustrofóbico e não gosto de homens desnudos enrolados em toalhas. mas era um banho turco. se aqui estamos, vamos ver o que dá, não é isso? não é isso, seu mochileiro dos infernos, que acha bonito pagar de "local" nas suas viagenzinhas pelo mundo? não é isso, imbecil? seu hippie do cacete! agora agüenta o "seu" cícero bigodudo te encarando só de toalhinha.

quem não sabe em que consiste um banho turco, aí vai uma brevíssima explicação: é um claustro redondo com paredes e chão de mármore com uma pedra gigante também de mármore, só que quente. muito quente. uma pedra muito grande, tipo um dodecágono. o lugar vira efetivamente uma sauna.

ali, sobre o dodecágono, que deve ter ligação direta com o caldeirão do capeta, as criaturas se deitam, suam e são submetidas ao banho, que é dado por tiozinhos turcos. como quase tudo na turquia, há seções separadas para homens e mulheres. quem não entendeu dá um google.

a partir do momento em que entrei, comecei a receber ordens em inglês rasteiro. não gosto de receber ordens. não gosto de inglês falado por turcos, indianos, russos e afins (aquele inglês em que eles sobrevalorizam o "r" e, vez o outra, adicionam uma vogal. exemplo: poroblem, my frrrriende). e, definitivamente, NÃO GOSTO DE SAUNA.

primeira ordem (sim, do "seo" cícero): "lay! lay!". e aponta para o dodecágono quase em chamas, onde ja repousam outros tantos (uns dez) infelizes. deito. em contato com aquela pedra, todas as minhas pintas das costas vão virar câncer de pele. já tenho que marcar um oncologista e agendar um leito no sírio pra logo que voltar ao brasil (nossa, não sei se meu plano cobre).

"sleep! sleep!" eu durmo se eu quiser, meu querido. mantenho os olhos bem abertos mirando o teto. minutos se passam. aquela cúpula redonda sobre mim. malditos, malditos. tomaram constantinopla, fizeram do brasil uma triste colônia portuguesa e agora querem que eu faça sauna turca. o caramba! queria gritar algo que ofendesse o povo turco inteiro. mas não soube bem o quê. pensei em algo relacionado a george bush. sei lá, nessa hora passa tudo na cabeça.

"seo" cícero cutuca o meu pé. e aponta para eu deitar na beira da pedra. lá vou. sempre ressaltando a toalhinha. me deito como ele mandou. e tomo um balde de água fervendo da cabeça aos pés. câncer de pele em estágio avançado em menos de dez minutos. perco o fôlego. grito? não grito? não dá tempo. logo uma esponja áspera começa a me atacar pelas pernas. na barriga, no peito, na cara. me imagino naquela situação me vendo de fora. eu mesmo, de pé, me olhando ser apalpado pelo "seo" cícero da cantina da record usando toalhinha. começo a rir, ou seja, a pior reação possível. ele achou o que? QUE EU ESTAVA GOSTANDO!

sem raciocinar, estava obedecendo as ordens do carrasco. ele faz um gesto para eu virar de costas. a esponja começa a atacar minhas costas. bom, se ele arrancar as pintas o câncer vai junto, penso. "stressed, stressed" sussurra o turco maldito ao perceber a tensão nas minhas costas. sim, meu querido. o que você queria? que eu relaxasse? que cantasse uma musiquinha? e tem mais! o que você sabe de mim? conhece o meu trabalho? o meu chefe? eu tenho motivos DE SOBRA pra estar estressado. e é por isso que eu estou em férias! e que merda é essa que eu estou faz...

um balde de água pelando. me sufoco novamente. não consigo reagir. o turco nacib faz um gesto pra eu ficar de pé e segui-lo. chegou a hora da imolação final? quase insconsciente entro numa salinha à parte, e ele me manda sentar ao lado de uma pia. enche o balde de água e joga em mim. água morna, pelo menos. quando penso em me aliviar, o omar sharif com ácido agarra os meus cabelos e começa a passar um sabão estilo "minuano". sofro. sofro muito. ele percebe: "poroblem? poroblem?". o seu rabo turco, penso.

ele me joga outro balde d'água e me manda voltar quietinho pra sala da tortura e deitar no mármore do inferno (agora entendo a novela). deito. fico à espera da próxima etapa. das lâminas gigantes cortando a minha pele antes do banho de álcool. ou as caixas de som secretas começarem a tocar legião urbana. sei lá, sempre pode piorar.

aos poucos, percebo que estou livre. assim como o seqüestrado quando sozinho no cativeiro percebe que foi abandonado pelos algozes. mesmo com a pressão em cinco por dois, fujo. corro pegar minhas roupas. me enxugo. e então me ocorre: aquele puto não lavou meu suvaco. quero meu dinheiro de volta.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

é o camisa dez da seleção

o assunto transcorre normalmente. passa uma viatura.
- tem uns maninho no porta-malas!, diz importante socióloga.
- e um tá com a camisa do corinthians!
- ah, é do ronaldo! - repara importante socióloga.
- é do ronaldo mesmo?
- é, tava escrito ronaldo.
- mas aquele número era o nove?
- ah, não sei. acho que era um sete.
- então não era o ronaldo.
- como não?
- o ronaldo é camisa nove.
- e ele nunca usou a camisa sete?
- nunca.
- meu deus, por que?
- ah, vai dizer que você não sabia que o ronaldo era camisa nove.
- não! nem sabia que tinha número!
- ah!!!
- juro! camisa de futebol tem número?
- claro!
- e é fixo?
- piada!
- não, sério. o ronaldo é sempre o nove?
(silêncio)
- e quem é sempre o sete?
- bom...
- qual é o critério? da distribuição? é pela posição no campo?
- claro. tipo, é sério? você não sabe a camisa do romário, por exemplo?
- qual é a posição dele?
- atacante.
- tipo, ele é o último atacante?
- sim.
- o banheira?
- sim.
- então ele é onze!
- ahã.
(importante socióloga dá um gritinho e se auto-aplaude).
- gente, tudo nessa vida é lógica! - diz, satisfeita.
- então o ronaldo é o nove, entendeu?
- sim! e o pelé é tipo o... dez!
(silêncio)
- é? - sorrindo.
(silêncio)
- o pelé é o dez? - sorrindo mais.
(silêncio, incompreensão, estupefação)
- acertei??? - alegria.
(olhos mortos, fixos. serenidade, incredulidade, voz baixa, fala pausada):
- você... não sabia... que o pelé... era o camisa dez?
- não!!! - felicidade. pulinhos. mais auto-aplausos.
(sensação de desistir do mundo)
- lógica é tudo!!! um pouquinho de inteligência te livra de qualquer uma! - locupleta-se importante socióloga.

terça-feira, janeiro 24, 2012

e a ferritina?

chego ao consultório. a secretária me olha. penso se ela já sabe, se o médico já comentou. "trate bem esse moço, ele tem poucos meses de vida". será que ela viu os exames? não pode! e a ética médica? meus índices de ácido úrico não são assunto que se saia comentando por aí! quando sair daqui, antes de procurar um cirurgião espírita, vou ao conselho regional de medicina abrir uma queixa. volto à realidade com a moça sorrindo pra mim. piedade? "o doutor pediu pra te passar na frente". "por quê?! por quê!?", pergunto apavorado. estaria ele querendo ganhar cada segundo nessa luta pela vida que se inicia neste momento? assustada, se afastando um pouco, ela responde: "porque o paciente das quatro vai atrasar". (ela não disse "se atrasar". brasileiro não usa reflexivo). entro. o doutor sorri. outro piedoso. olha tudo. exames de sangue, de urina, ultrasom da barriga, da tireóide, teste ergométrico. "você não tem nada". imediatamente me questiono, em silêncio, se eu fiz o jejum correto nos exames de sangue. será que fiquei mesmo doze horas sem comer? e o exame de urina? será que eu fiz certo? sempre fico em dúvida na hora de desprezar o primeiro jato. não sei quantificar o primeiro jato. será que um erro no primeiro jato, e o exame te consagra sadio? é um absurdo deixar o paciente estabelecer, sem nenhum acompanhamento especializado, qual é o primeiro jato. o médico me encara. "a sua saúde é a de um rapaz de vinte anos". penso em noel rosa, morto aos vinte e três. "e a ferritina?", pergunto como quem diz "touché, eu li os exames e já procurei TUDO no google!". "isso é normal", responde. "nove em cada dez dos seus amigos devem ter isso". "não tenho amigos", cogito responder. mas tenho. e me comparar a eles não vale. é uma gente regada a uísque e gim! tônica! "você tem certeza"? ele não responde. deve ter pensado "vou receitar cicuta". "não preciso me preocupar com nada?", insisto. e ele: "você quer um remédio, não quer? então faz o seguinte: todo dia você pega um copo, enche de água e põe açúcar. e bebe um por dia. nos próximos trezentos e sessenta e cinco dias. e no ano que vem você volta". "e o diabetes?". ele bufa. numa última tentativa, peço: "você pode dar uma olhada na minha garganta. começou a doer essa semana..." "gargarejo de água morna com vinagre", corta o doutor. penso: "detesto vinagre. posso pôr molho hellmans?". sorrio. levanto. saio. da próxima vez vou fazer o check up do einstein. eles hão de achar alguma coisa.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

do nadar

natação é mais do que um esporte. natação é, antes de mais nada, uma humilhação. todos os elementos envolvidos formam um conjunto para transformar o aluno iniciante em um completo idiota. se o aluno já for um completo idiota antes de nadar, a natação o transforma no diogo mainardi. ou no reinaldo azevedo (livre escolha do leitor sobre o que mais se aproxima da definição de super completo idiota). enfim, a toquinha. toquinha. toquinha maldita que te aperta a cabeça. que te transforma num espermatozóide dos infernos. toquinha maldita. toquinha morfética. pé de pato, eufemisticamente tratado por nadadeira. desgraça. impede seus movimentos mais humanos. te reduz a um bicho sem função na natureza. pra que serve um pato? o mundo passaria muito bem sem os patos. o professor. o primeiro contato: "você até que nada bem, mas é um nado que a gente chama de lagoeiro". A GENTE? a gente quem? LAGOEIRO? oi? é muita humilhação ouvir isso trajando toquinha e pé de pato. e lá vem as instruções: "o que eu vou fazer agora? vou jogar o meu braço lá na frente". esse "eu" que ele dizia era eu. eu, o aluno. ele dizia "eu" mas era eu. ou "você" no caso. é a esculhambação do uso da pessoa, que tem como maior baluarte o (suposto) rei pelé. uma importante socióloga já disse que fará mestrado sobre o tema. título: "o mau uso da pessoa: identidades borradas no brevíssimo século XXI". bom, o que importa mesmo é que enquanto tudo isso se sucede, enquanto o aluno esperneia, tromba na raia, tromba na borda, deixa entrar água nos óculos, fica sem ar, erra a braçada e engole água, a gordinha da raia ao lado DESLIZA como a pequena sereia. realizem. raia um: aluno estabanado, nado lagoeiro, toquinha, pé de pato, prancheta de isopor apenas usada por crianças, morrendo afogado. raia dois: gordinha atravessa a piscina praticamente sem tirar a cara debaixo dágua, sorri, dá braçadas soberbas, levanta, empina, da tchauzinho pra torcida, uma pirueta, três movimentos de pernas, oito de braços, dança um pouquinho e termina triunfante para delírio do professor: "eu fui muito bem". o "eu" agora é ela. acaba a aula. natação tem quatro estilos. penso nisso. e imediatamente quero saber quando, afinal, essa pancreatite irá me levar.