quarta-feira, janeiro 25, 2012

é o camisa dez da seleção

o assunto transcorre normalmente. passa uma viatura.
- tem uns maninho no porta-malas!, diz importante socióloga.
- e um tá com a camisa do corinthians!
- ah, é do ronaldo! - repara importante socióloga.
- é do ronaldo mesmo?
- é, tava escrito ronaldo.
- mas aquele número era o nove?
- ah, não sei. acho que era um sete.
- então não era o ronaldo.
- como não?
- o ronaldo é camisa nove.
- e ele nunca usou a camisa sete?
- nunca.
- meu deus, por que?
- ah, vai dizer que você não sabia que o ronaldo era camisa nove.
- não! nem sabia que tinha número!
- ah!!!
- juro! camisa de futebol tem número?
- claro!
- e é fixo?
- piada!
- não, sério. o ronaldo é sempre o nove?
(silêncio)
- e quem é sempre o sete?
- bom...
- qual é o critério? da distribuição? é pela posição no campo?
- claro. tipo, é sério? você não sabe a camisa do romário, por exemplo?
- qual é a posição dele?
- atacante.
- tipo, ele é o último atacante?
- sim.
- o banheira?
- sim.
- então ele é onze!
- ahã.
(importante socióloga dá um gritinho e se auto-aplaude).
- gente, tudo nessa vida é lógica! - diz, satisfeita.
- então o ronaldo é o nove, entendeu?
- sim! e o pelé é tipo o... dez!
(silêncio)
- é? - sorrindo.
(silêncio)
- o pelé é o dez? - sorrindo mais.
(silêncio, incompreensão, estupefação)
- acertei??? - alegria.
(olhos mortos, fixos. serenidade, incredulidade, voz baixa, fala pausada):
- você... não sabia... que o pelé... era o camisa dez?
- não!!! - felicidade. pulinhos. mais auto-aplausos.
(sensação de desistir do mundo)
- lógica é tudo!!! um pouquinho de inteligência te livra de qualquer uma! - locupleta-se importante socióloga.

terça-feira, janeiro 24, 2012

e a ferritina?

chego ao consultório. a secretária me olha. penso se ela já sabe, se o médico já comentou. "trate bem esse moço, ele tem poucos meses de vida". será que ela viu os exames? não pode! e a ética médica? meus índices de ácido úrico não são assunto que se saia comentando por aí! quando sair daqui, antes de procurar um cirurgião espírita, vou ao conselho regional de medicina abrir uma queixa. volto à realidade com a moça sorrindo pra mim. piedade? "o doutor pediu pra te passar na frente". "por quê?! por quê!?", pergunto apavorado. estaria ele querendo ganhar cada segundo nessa luta pela vida que se inicia neste momento? assustada, se afastando um pouco, ela responde: "porque o paciente das quatro vai atrasar". (ela não disse "se atrasar". brasileiro não usa reflexivo). entro. o doutor sorri. outro piedoso. olha tudo. exames de sangue, de urina, ultrasom da barriga, da tireóide, teste ergométrico. "você não tem nada". imediatamente me questiono, em silêncio, se eu fiz o jejum correto nos exames de sangue. será que fiquei mesmo doze horas sem comer? e o exame de urina? será que eu fiz certo? sempre fico em dúvida na hora de desprezar o primeiro jato. não sei quantificar o primeiro jato. será que um erro no primeiro jato, e o exame te consagra sadio? é um absurdo deixar o paciente estabelecer, sem nenhum acompanhamento especializado, qual é o primeiro jato. o médico me encara. "a sua saúde é a de um rapaz de vinte anos". penso em noel rosa, morto aos vinte e três. "e a ferritina?", pergunto como quem diz "touché, eu li os exames e já procurei TUDO no google!". "isso é normal", responde. "nove em cada dez dos seus amigos devem ter isso". "não tenho amigos", cogito responder. mas tenho. e me comparar a eles não vale. é uma gente regada a uísque e gim! tônica! "você tem certeza"? ele não responde. deve ter pensado "vou receitar cicuta". "não preciso me preocupar com nada?", insisto. e ele: "você quer um remédio, não quer? então faz o seguinte: todo dia você pega um copo, enche de água e põe açúcar. e bebe um por dia. nos próximos trezentos e sessenta e cinco dias. e no ano que vem você volta". "e o diabetes?". ele bufa. numa última tentativa, peço: "você pode dar uma olhada na minha garganta. começou a doer essa semana..." "gargarejo de água morna com vinagre", corta o doutor. penso: "detesto vinagre. posso pôr molho hellmans?". sorrio. levanto. saio. da próxima vez vou fazer o check up do einstein. eles hão de achar alguma coisa.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

do nadar

natação é mais do que um esporte. natação é, antes de mais nada, uma humilhação. todos os elementos envolvidos formam um conjunto para transformar o aluno iniciante em um completo idiota. se o aluno já for um completo idiota antes de nadar, a natação o transforma no diogo mainardi. ou no reinaldo azevedo (livre escolha do leitor sobre o que mais se aproxima da definição de super completo idiota). enfim, a toquinha. toquinha. toquinha maldita que te aperta a cabeça. que te transforma num espermatozóide dos infernos. toquinha maldita. toquinha morfética. pé de pato, eufemisticamente tratado por nadadeira. desgraça. impede seus movimentos mais humanos. te reduz a um bicho sem função na natureza. pra que serve um pato? o mundo passaria muito bem sem os patos. o professor. o primeiro contato: "você até que nada bem, mas é um nado que a gente chama de lagoeiro". A GENTE? a gente quem? LAGOEIRO? oi? é muita humilhação ouvir isso trajando toquinha e pé de pato. e lá vem as instruções: "o que eu vou fazer agora? vou jogar o meu braço lá na frente". esse "eu" que ele dizia era eu. eu, o aluno. ele dizia "eu" mas era eu. ou "você" no caso. é a esculhambação do uso da pessoa, que tem como maior baluarte o (suposto) rei pelé. uma importante socióloga já disse que fará mestrado sobre o tema. título: "o mau uso da pessoa: identidades borradas no brevíssimo século XXI". bom, o que importa mesmo é que enquanto tudo isso se sucede, enquanto o aluno esperneia, tromba na raia, tromba na borda, deixa entrar água nos óculos, fica sem ar, erra a braçada e engole água, a gordinha da raia ao lado DESLIZA como a pequena sereia. realizem. raia um: aluno estabanado, nado lagoeiro, toquinha, pé de pato, prancheta de isopor apenas usada por crianças, morrendo afogado. raia dois: gordinha atravessa a piscina praticamente sem tirar a cara debaixo dágua, sorri, dá braçadas soberbas, levanta, empina, da tchauzinho pra torcida, uma pirueta, três movimentos de pernas, oito de braços, dança um pouquinho e termina triunfante para delírio do professor: "eu fui muito bem". o "eu" agora é ela. acaba a aula. natação tem quatro estilos. penso nisso. e imediatamente quero saber quando, afinal, essa pancreatite irá me levar.